Esta
crônica foi enviada pelo próprio autor ao
Jornal da Ciência
da SBPC e achei interessante passar para os leitores do blog. Inclusive, é boa
para levar para a sala de aula e trabalhar com os alunos.
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O
neto diz ao avô que precisa fazer uma prova de Química e que o assunto é sobre
Átomos:
- Vô, por que temos que estudar sobre estas coisas, se nem sequer as
enxergamos?
O avô responde:
-
Meu neto, houve um tempo, cerca de 500 anos antes de Cristo, em uma civilização
ímpar na história da humanidade - a Grécia -, que alguns pensadores, entre eles
Demócrito e Leucipo, ainda que de forma meramente intuitiva, pregavam a
existência de pequenas partículas indivisíveis que constituíam a matéria, os
átomos. Entretanto, esses pensadores, os atomistas, não foram muito levados a
sério pela grande maioria das pessoas, que achavam muito mais plausíveis as
idéias defendidas por outra linha de pensadores, os socráticos, que afirmavam
que a matéria era contínua. Para Aristóteles (século IV a.C), o mais famoso e
influente entre os filósofos gregos, a matéria era constituída por diferentes
combinações de quatro elementos fundamentais, a terra, o ar, a água e o fogo.
Cada um desses elementos tinha propriedades que os caracterizavam. Assim o fogo
era quente e seco; o ar era quente e úmido; a água era fria e úmida; e a terra
era fria e seca. Apesar da simplicidade dessa teoria, fica claro que já havia
nessa época uma noção não sobre a composição da matéria, mas sobre os estados da
matéria, já que o ar eram os gases, a água os líquidos, a terra os sólidos e a
forma de energia que converte um estado em outro era o fogo. Era isto que
caracterizava o modo de pensar dos gregos, a substituição de interpretações
mítico-religiosas da natureza pelo raciocínio lógico intuitivo, baseado
exclusivamente na razão.
- Ah vô, então é por isso que o meu professor parece falar só em grego, diz
o Neto.
O avô continua:
- Devido à contundência das propostas de Aristóteles, a teoria dos quatro
elementos é que foi transmitida às próximas civilizações, tanto que as idéias
atomistas foram deixadas de lado por mais de dois milênios. Na verdade, durante
esse período, a Química, apesar de praticada por muitos, só que com outro nome,
Alquimia, não era vista com caráter científico, mas com uma forte influência
mística, sendo associada a bruxarias e à busca por riqueza, a partir da
tentativa de converter metais menos preciosos em ouro, e por vida eterna, a
partir da procura pelo elixir da longa vida. Essa influência mística dava aos
alquimistas sérios problemas com a Igreja, principal poder político na Europa
no período da Idade Média. Por este motivo, os praticantes da Alquimia
dificilmente se declaravam alquimistas e assinavam seus escritos usando
pseudônimos, bem como utilizavam uma linguagem codificada, decifrada somente
por iniciados.
- Por que você acha que até hoje o cheiro de enxofre é associado ao inferno,
pergunta o avô? É porque os alquimistas usavam-no muito em suas práticas
secretas, juntamente com mercúrio e sal. Muitos se denunciavam pelo forte
cheiro que exalavam.
A coisa só mudou a partir do século XV, quando uma nova tendência de
pensamento eclodiu na Europa, o Renascimento, gerando fortes influências na
política, nas artes, na filosofia, nas ciências e na religião, principalmente a
partir de um pensamento mais crítico baseado na razão e no raciocínio lógico.
Nessa época, algumas gerações de pensadores influenciaram todos os ramos das
atividades humanas, podendo-se citar Copérnico, Galileu, Descartes, Kepler,
Newton, entre muitos outros.
É nessa época, mais precisamente a partir do século XVII, que surge uma
geração de estudiosos promissores que dariam à Química o status de ciência que
outras áreas já haviam conquistado. Entre eles pode-se citar principalmente
Robert Boyle e Antoine Lavoisier, considerados os principais responsáveis pela
transição da Alquimia à Química. Ambos, em suas obras históricas, O Químico
Cético (Boyle, 1661) e Tratado Elementar da Química (Lavoisier, 1789),
desenvolveram métodos experimentais criteriosos, nos quais foram medidos
respectivamente os volumes e as pressões dos gases e as massas das substâncias
sólidas. Como consequência, muitos elementos foram descobertos durante os
séculos XVII e XVIII. A partir disso, as teorias herdadas de Aristóteles e
seguidas pelos Alquimistas tornaram-se ultrapassadas, assim como já havia
ocorrido na Física, quando a teoria geocêntrica de Aristóteles já havia caído
por terra frente à teoria heliocêntrica de Copérnico.
Apesar de muito ter-se descoberto nos séculos XVII e XVIII a respeito da
composição das substâncias e sobre as proporções com que estas reagiam, não
havia ainda uma teoria sólida sobre a causa das reações químicas. Nesse
contexto, Georg Stahl, no principio do século XVIII, propôs uma teoria
controversa e não unânime sobre as reações de combustão e de oxidação, que
apesar de simplória, representou um entrave na evolução da Química por quase um
século. Era a teoria do Flogístico, que afirmava que durante os processos de
combustão e de oxidação, uma suposta substância invisível era liberada, o
phlogiston. O mérito da teoria do flogístico, ou de seus defensores, é que
estes eram capazes de interpretar uma série de processos, inclusive fenômenos
estranhos à teoria.
Por exemplo, ao ser oxidado um metal ganhava massa. Stahl afirmava que o
flogístico era mais leve que o ar, e que ao liberar flogístico, o ar ocupava
este espaço e por isso o corpo ficava mais pesado. Porém, ainda no século
XVIII, em 1781, Antoine Lavoisier demonstraria que o ganho de peso que ocorria
quando um metal oxidava-se em um recipiente fechado, era equivalente à perda de
peso de ar preso no vaso, e que a presença de oxigênio era imprescindível à
combustão, visto que nenhum material queimava-se na ausência de oxigênio. Estas
observações de Lavoisier, além de uma sucessão de outras, derrubaram de vez a
teoria do flogístico, a qual teve de ser definitivamente abandonada.
Já no século XIX, com a evolução dos métodos químicos de análise pós século
XVIII, um grande número de novos elementos foi descoberto. Nessa época, já se
sabia que alguns deles tinham propriedades químicas semelhantes, apesar de
massas diferentes. Em 1896, Dimitri Mendeleyev propôs uma tabela de
classificação periódica dos elementos, onde organizou 60 dos elementos químicos
conhecidos até então em 12 linhas horizontais em ordem crescente de massas
atômicas, tomando o cuidado de colocar os elementos com propriedades
semelhantes na mesma vertical. Era o nascimento da Tabela Periódica,
praticamente da forma como a conhecemos hoje.
Outro fato importante do século XIX foi a Evolução da Química Orgânica.
Nesse período, imperava na Química uma teoria proposta por Jöns Berzelius em
1807, a teoria da Força Vital, a qual afirmava que apenas seres vivos podiam produzir
matéria orgânica. Ele baseava-se na idéia de que os compostos orgânicos
precisavam de uma força maior (a vida) para serem sintetizados. Foi quando em
1828 Friedrich Wöhler inaugurou uma nova era na Química com a síntese da uréia
(um composto orgânico) a partir do cianato de amônio (um composto inorgânico).
A partir de então, a teoria da força vital começou a ruir, abrindo espaço para
uma série de outras sínteses de compostos orgânicos.
- Mas vô, pergunta o neto já impaciente, e os átomos, onde entram nessa
história? Você nem falou deles!
- Calma, é a partir daqui que os átomos voltam a ocupar o intelecto humano,
responde o avô. Com a definição de algumas leis que regiam as reações químicas
por aquele grupo de cientistas precursores da Química moderna (entre eles
Lavoisier, Boyle e Proust), John Dalton propôs no início do século XIX a
existência de uma unidade mínima de matéria que poderia ser uma partícula
fundamental. Entretanto, ainda não havia métodos experimentais para detectar
estas partículas.
Por este motivo, por todo o século XIX as teorias atômicas não tiveram muita
relevância no âmbito da Química. Nessa época, muitas teorias importantes foram
desenvolvidas sem a necessidade da idéia de átomo, entre elas a Eletroquímica e
a própria Química Orgânica. Alguns cientistas até recusavam-se a aceitar a
idéia de átomo.
- Eu também vô, dispenso essa idéia, assim nem preciso estudar para a prova
de amanhã, diz o neto.
- Preste atenção meu neto, foi só no final do século XIX, quando Joseph
Thompson realizou um experimento famoso em que eletrizava um gás em uma ampola,
através de descargas elétricas, que ele descobriu que os raios emitidos pelo
gás eram na verdade elétrons excitados. A partir daí, os modelos atômicos
passaram a protagonizar no cenário da Química, com modelos cada vez mais bem
elaborados e que buscavam descrever as propriedades da matéria com precisão
cada vez maior.
O interessante é que as cargas elétricas associadas às reações químicas já
eram conhecidas há quase um século, por cientistas como Daniell, Volta,
Faraday, mas não eram associadas a partículas fundamentais, como propôs
Thompson. Apesar da revolução na ciência provocada pela descoberta de Thompson,
sua proposta de modelo atômico não foi muito bem sucedida e durou menos de uma década.
Isto porque propunha um átomo com cargas positivas e negativas uniformemente
distribuídas.
Foi no princípio do século XX que outro grande nome da Química, Ernest
Rutherford, propôs a existência de um núcleo atômico muito pequeno em relação
ao tamanho total do átomo, que apresentava carga positiva. Ele observou que
quando projetava partículas com carga positiva em uma chapa fina de ouro (um
dos metais mais densos que se conhece), a grande maioria das partículas passava
sem que sofresse desvio algum; apenas uma pequena parte se desviava; e uma
parte menor ainda se chocava com a placa e retornava. Rutherford concluiu que o
átomo não podia ser maciço como propunha Thompson, mas que tinha uma região
densa e pequena de matéria com carga positiva (o núcleo) e que era envolto por
uma região bem maior, onde ficavam as cargas negativas (a eletrosfera). A idéia
de Rutherford era fantástica e representou um marco na história do estudo da
constituição da matéria. Não à toa ele é considerado o Pai da Física Nuclear.
Só que o modelo de Rutherford tinha um problema: um paradoxo que contrariava
as teorias clássicas da Física sobre o eletromagnetismo: partículas portadoras
de carga, como os elétrons girando em torno de um núcleo, perdiam energia e
teriam sua velocidade diminuída gradativamente até que caíssem no núcleo e o
átomo entrasse em colapso. Estava claro que era necessária uma correção no
modelo de Rutherford, e quem teve a incumbência disto foi o jovem e promissor
pupilo de Rutherford, Niels Bohr.
Bohr, inspirado pelos estudos de Max Planck sobre a quantização da energia e
posteriormente pelos estudos de Albert Einstein sobre a quantização da luz,
propôs que quando os elétrons giravam em torno do núcleo, o faziam sem perder
ou ganhar energia, como se estivessem em níveis estacionários de energia.
Também propôs que quando os elétrons absorviam energia saltavam de órbitas mais
internas para órbitas mais externas e ao retornarem emitiam o excesso de
energia na forma de luz. Apesar da simplicidade das idéias e das fórmulas
matemáticas utilizadas por Bohr para propor seu modelo atômico, elas davam a
resposta numérica exata para as posições das linhas dos espectros de
hidrogênio, obtidos ao longo do século XIX por Balmer, Paschen e Lyman sem
saber ao certo o que significavam, o que instigava os cientistas. Por isso o
modelo atômico de Bohr representou um importante pilar para o desenvolvimento
de uma teoria mais elaborada que viria a ser desenvolvida e consolidada na
primeira metade do século XX, a Teoria Quântica.
Esta última, por sua vez, levava em conta dois princípios fundamentais da
matéria: o comportamento dual entre partícula e onda, proposto por Louis de
Broglie, e a incerteza em relação à posição quando se conhecia com precisão o
momento ou a energia de um átomo ou de um elétron, descoberto por Werner
Heisenberg. Destas limitações intrínsecas com relação ao que podemos observar
sobre a natureza da matéria, surge uma teoria matemática refinada que descarta
a idéia improvável de Bohr de que os elétrons giravam em órbitas bem definidas
em torno do núcleo atômico e a substitui por densidades de probabilidade de se
encontrar os elétrons em determinadas regiões do espaço, os orbitais.
Além disso, no princípio do século XX, Henri Becquerel, Marie Curie e Pierre
Curie seriam os responsáveis pela descoberta e explicação do fenômeno da
radioatividade ao estudarem elementos que emitiam luz espontaneamente, abrindo
caminho para um vasto campo de pesquisas ao longo do século XX, cujas
aplicações teriam enorme influência na história da humanidade, seja por seu uso
menos nobre, como na bomba atômica que devastou as cidades de Hiroshima e
Nagasaki em 1945, seja por sua principal utilização, a aplicação de
radioisótopos em diagnósticos e tratamentos de câncer.
Já a teoria Quântica e o modelo atômico quântico que derivou dela são
responsáveis pela maneira como interpretamos o mundo microscopicamente e pelo
desenvolvimento das teorias atuais sobre as propriedades da matéria. Dois
importantes nomes são responsáveis pela aplicação da teoria quântica na
interpretação das ligações químicas durante o século XX, Gilbert Lewis e Linus
Pauling. A partir de suas teorias, passou-se a ter uma maior compreensão sobre
como a matéria interage a partir das ligações químicas, que são a base principal
da descrição da natureza e de tudo que envolve suas transformações.
- Tudo isso já no século em que eu nasci. Pra ver meu neto como seu avô é
velho!
- Vô, o senhor que é velho ou será a Química que é nova demais? Argumenta o
neto.
Para saber mais:
CHASSOT, A. Ciência através dos tempos. 2ª. ed. São Paulo: Editora Moderna,
2004.
GREENBERG, A. Uma Breve História da Química: Da Alquimia às Ciências
Moleculares Modernas. 1ª. ed. São Paulo: Editora Edgard Blucher, 2009.
FARIAS, R. F. Para gostar de ler: A historia da Química. 1ª. ed. São Paulo:
Editora Átomo, 2003.
VANIN, J. A. Alquimistas e Químicos: o passado, o presente e o futuro. São
Paulo: Editora Moderna, 2005.
GLEISER, M. Mundos Invisíveis. São Paulo: Globo, 2008.
STRATHERN, P. trad. BORGES, M. L. O sonho de Mendeleiev: a verdadeira
história da química. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 2002.
Valderi Pacheco dos Santos é professor de Química da Universidade
Estadual do Oeste do Paraná (Unioeste).
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Para quem gostou do texto, sugiro também a leitura desta outra crônica:
"Por
que acreditamos em átomos?"
➕ Livros sobre o tema: